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terça-feira, 11 de outubro de 2011

MULHERES - DAVID COIMBRA


Outro livro que acabo entre hoje e amanhã é Mulheres, do gaúcho David Coimbra, com crônicas curtinhas que foram publicadas no jornal Zero Hora. Deu para dar umas boas risadas, mas lembrando de Cândida, se algo te faz rir, procura a verdade que se esconde por trás.

Para dar um gostinho, vai a crônica da página 116 do livro:


ELES PREFEREM AS LOIRAS

David Coimbra
  
Ela se virou de lado. Assestou a orelha no travesseiro. E miou, sorridente:
- Amanhã é seu aniversário...

Ele apenas sorriu de volta, modesto: era. Ela continuou, rouca:

- Pode pedir o que quiser...

Ele arregalou os olhos.

- O que eu quiser?

Ela, lambendo os lábios, a malícia faiscando nas bordas das pupilas:

- Arran...

Ele sentou na cama, apoiando-se nos cotovelos:

- Tudo mesmo?

- Tudo. Tudinho... - disse: tudjinho, com dê e jota.

Ele olhou para o gesso do teto, sonhador:

- Quero que você seja loira!

Ela arregalou os olhos. Sentou-se também.

- Lo-loira? - gaguejou. - Quer... que pinte o cabelo?

- Isso! - Estava ereto, agora. Esfregava as mãos. - Isso! Sempre quis que você fosse loira. Sempre quis.

Ela deitou a cabeça no travesseiro. Fechou os olhos. De olhos fechados, concordou:

- Tá bem. - E depois de um suspiro: - Tá bem...

Na manhã seguinte, ele saiu de casa saltitante, foi trabalhar assobiando uma música dos Travessos. Ela acordou sentindo uma pedra no peito e uma bola de tênis na garganta. Não conseguia se imaginar loira. Ao contrário: sempre se orgulhara dos cabelos negros, jamais tocados por tintura. Loiras... Sabia bem como eram. Vistosas, é verdade. Tinha de admitir que loiras chamavam a atenção. Porém, eram dissimuladas, orgulhosas. Arrogantes, até. Além do mais, a vida inteira desprezara as falsas loiras e suas raízes de cabelo pretas. Que nojo. Mas havia prometido... Que idéia era aquela, "pode pedir o que quiser"? Bem-feito!

Foi um dia difícil. Um dia de angústia. Por que ele pedira aquilo? Não gostava dela como era? Cobiçava alguma loira? Estava ficando com raiva do desgranido.

À tarde, na hora da transformação, o ódio se desfez em soluços. O cabeleireiro teve de lhe buscar um copo d´água com açúcar. Só se sentiu melhor quando saiu do salão e passou por dois homens de terno. Eles a olharam de um jeito que nunca havia sido olhada antes: com gula. Por que os homens olhavam assim para as loiras?

Em casa, mirou-se no espelho. Não conhecia aquela ali refletida. Vestiu sua lingerie mais ousada, uma que nunca tivera coragem de usar. Ele chegou e tomou um susto.

- Meu Deus, é outra mulher!

Era. Foi uma noite de amor única. Nem na época de namorados tiveram uma noite igual. Pela manhã, ele se levantou cansado, mas satisfeito. Ajeitava a gravata para ir trabalhar, quando ela saiu do quarto. Estava já vestida: saia mínima, decote íngreme.

- Onde você vai assim? - espantou-se ele.

- Ao super - respondeu ela, já saindo. Saiu. Ele correu para a janela, perplexo, a tempo de vê-la ondulando pela rua. Ondulando. Queria uma loira. Tinha uma loira.

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